Parque Natural Marinho

Parque Natural Marinho do Cabo Girão

(© Pedro Neves e Cláudia Ribeiro)

Entende-se por Parque Natural uma área que contenha predominantemente ecossistemas naturais ou seminaturais, onde a preservação da biodiversidade possa depender da atividade humana, assegurando um fluxo sustentável de produtos naturais e de serviços.

Neste enquadramento, o Parque Natural Marinho do Cabo Girão, categoria VI da International Union for Conservation of Nature (IUCN), tem como objetivo essencial a adoção de medidas que visem a proteção, a valorização e o uso sustentado do mar, através da integração harmoniosa das atividades humanas. Tais medidas, devem igualmente contribuir para o bom estado ambiental do espaço marítimo da RAM, dando cumprimento ao estabelecido na Estratégia Nacional para o Mar e ao estabelecido pela Diretiva-Quadro Estratégia Marinha.

O modelo de classificação da IUCN, permite-nos avaliar que se trata de um espaço marinho protegido com diretrizes de uso sustentável dos ecossistemas naturais, ou seja, pretende-se salvaguardar os habitats naturais permitindo em simultâneo a captura sustentável de determinados elementos com interesse para a pesca. Dai que, no Parque Natural Marinho do Cabo Girão, sejam permitidas atividades extrativas como a pesca profissional e lúdica, bem como apanha de lapas, caramujos e cavacos (Scyllarides spp em Ribeiro & Neves, 2018). Por exceção, o Edital nº10/2018 da Capitania do Porto do Funchal estabelece que está interdita toda a navegação num raio de 200 metros centrado no recife artificial – Corveta Afonso Cerqueira. Nesta delimitação, é expressamente proibida a prática de atividades como, a pesca profissional ou lúdica, bem como atividades de recreio ou marítimo-turística.

(© Eric Gibcus)

A heterogeneidade natural e paisagística do Cabo Girão, constitui um importante atrativo para a procura recreativa diária, especialmente impactante em domínio marítimo. Faz com que exista um conjunto significativo de atividades socioeconómicas associadas a este espaço protegido, nomeadamente, o mergulho, os passeios marítimos, a observação de vida selvagem, o surf, a atividade de pesca (artesanal e lúdica), a apanha de espécies bentónicas (lapas) e caça submarina.

Mais recentemente, a comunidade científica tem desenvolvido um maior esforço das suas atividades de investigação nesta área. Tal facto tem contribuído para um conhecimento rigoroso e aprofundado deste espaço protegido, realçando as potencialidades da biodiversidade marinha, promovendo a sua conservação e uso sustentável.

Os anos 2016 a 2020, foram anos “chave” para o conhecimento dos fundos marinhos no Cabo Girão! Atualmente, dentro da comunidade científica, foram desenvolvidos e publicados diversos trabalhos de investigação, sobretudo pelos investigadores Claúdia Ribeiro (IFCN-RAM e OOM) e Pedro Neves (OOM), através de análises de prospeção, recolha de amostragens esporádicas e fortuitas, com vista a desenvolver ferramentas de avaliação do atual estado de conservação das comunidades e otimização da informação, para a monitorização e gestão continuada do espaço protegido2.

(© Eric Gibcus)

Complementarmente, o Instituto das Florestas e Conservação da Natureza, IP-RAM implementa em 2018 o projeto CORCEIRA, visando a criação e monitorização de um recife artificial. Como refere o Resolução nº546/2017 de 8 de setembro, a criação de um recife artificial, tem como objetivos atrair/criar vida marinha de todos os tipos, potenciar várias atividades com relevância socioeconómica, designadamente, através do incremento de recursos piscícolas, do aumento da biodiversidade, no desenvolvimento da atividade de turismo subaquático e, atenuar os impactos negativos sofridos nos ecossistemas marinhos costeiros na ilha da Madeira.

Para o efeito, foram avaliadas as condições necessárias à implementação do recife artificial e, consequentemente, os potenciais impactos para o meio, tais como, a perda de comunidades biológicas sensíveis e/ou únicas durante o processo de afundamento. Na área selecionada foi registada a presença da alga verde (caulerpa prolifera) e enguias de jardim (heteroconger longissimus).

O afundamento da Corveta NRP Afonso Cerqueira como recife artificial decorreu a 4 de setembro de 2018, implementado sobre o substrato de areia entre os 24 metros e 32 metros de profundidade, com as seguintes coordenadas: 32.64680N 16.98986W na Proa, a meio da embarcação 32.64702N 16.98946W e, 32.64723N 16.98908W na popa. O projeto CORCEIRA é analisado como pioneiro em Portugal, visto ser o primeiro projeto de monitorização de um recife artificial que engloba um momento de estudo anterior ao afundamento, com o propósito de avaliar o real impacto da corveta no sistema marinho.

Dados recentes de monitorização, demonstram que este recife artificial está a recriar algumas das características existentes nos recifes naturais circundantes, criando condições favoráveis ao desenvolvimento da sua própria biodiversidade3 e atração de espécies de zonas próximas. Embora com variações sazonais, no decorrer dos trabalhos de investigação, foram contabilizadas 26 espécies distintas de ictiofauna.

Biodiversidade No Parque Natural Marinho

Resultados dos trabalhos de investigação de Claúdia Ribeiro e Pedro Neves2

No que diz respeito ao património natural desta área, importa realçar a presença de Comunidades de Maërl (ou campos rodólitos), distribuindo-se estes entre os 25 metros de profundidade até pelo menos 35 metros e, muito certamente, para além da batimétrica que delimita a área do parque para sul (50 metros).
A importância ecológica dos fundos onde ocorrem estas comunidades deve-se à grande diversidade de fauna e flora que albergam e ao grande número de nichos ecológicos gerados pela sua estrutura tridimensional. Estas são compostas por algas vivas ou mortas, ou por uma mistura de ambos em diferentes proporções, podendo dar origem a mantos extensos. A parte viva das Maërl necessita de luz para realizar fotossíntese, pelo que a sua distribuição em profundidade depende da turbidez da água4.

(© Eric Gibcus)

Por serem organismos de crescimento lento, com taxas de crescimento que podem variar dos 0,1-0,15 até 1mm/ano, com uma longevidade muitas vezes superiores a 100 anos, e por serem particularmente vulneráveis a determinadas ameaças antropogénicas, integram algumas convenções comunitárias e internacionais, incluindo a Diretiva Habitats, a Convenção de Berna e a lista de OSPAR. Este habitat é consideravelmente abundante dentro da pequena área que compreende o Parque Natural Marinho do Cabo Girão.
Além dos campos Maërl, estão identificados outros habitats com importante valor de conservação, especificamente, plantas dispersas da espécie de farenogâmica marinha, a Cymodocea nodosa, e uma espécie de macroalga, Avrainvillea canariensis. Esta última, é uma espécie de macroalga que, além de ser um novo assinalamento para a região, forma um habitat mesofótico que, até agora, era desconhecido no arquipélago da Madeira.

A espécie Cymodocea nodosa é observada com baixa densidade no parque, apenas alguns pés dispersos (Ribeiro, 2018), contudo importa salientar, que em condições propícias (ex. reduzida turbidez, fraco hidrodinamismo, ausência de poluição) esta pode formar extensas pradarias, as quais são um habitat com elevado valor de conservação. Durante os trabalhos de prospeção dos investigadores, foram observados junto a esta espécie, alguns espécimes de cavalos-marinhos (Hippocampus hippocampus).
Segundo a Primeira Caracterização do Parque Natural Marinho do Cabo Girão (Ribeiro & Neves, 2018), cerca de 50% da área do parque marinho corresponde aos fundos de substrato rochoso, formado por blocos rochosos de grande dimensão, distribuídos desde a zona intertidal até a uma profundidade superior a 40 metros. No restante espaço prevalece os fundos de substrato móvel, correspondendo principalmente à zona leste do parque, estendendo desde os 8 metros de profundidade para além da batimétrica limite de 50 metros do PNMCG. De acordo com a referida caracterização, são registadas as seguintes particularidades alusivas aos substratos:

FUNDOS DE SUBSTRATO ROCHOSO

Nos fundos de substrato rochoso foram inventariadas 13 espécies de macrofauna bentónica séssil (invertebrados sésseis), 10 espécies de macrofauna móvel (e.g. equinodermes e crustáceos) e uma comunidade ictiológica composta por 12 espécies, das quais destaca-se:

- A presença do ouriço de espinhos longos (Diadema africanum), espécie de elevada densidade no PNMCG, e que devido sua herbivoria não permite o estabelecimento de comunidades de macroalgas, estando assim os fundos rochosos dominados por algas incrustantes e alguns invertebrados sésseis, apresentando um aspeto de rocha nua;

- O verme de fogo (Hermodice caranculata), pelas suas cores atrativas, é uma das espécies com grande interesse para o mergulho recreativo e fotografia subaquática. Este anelídeo, pertence á classe dos poliquetas, com o corpo composto por anéis (ou segmentos) cada um dos quais possui sedas ocas e brancas que contêm veneno, que serve de defesa ou ataque

- A presença do badejo (Mycteroperca fusca), com estatuto de conservação do IUCN “em perigo” e o peixe-cão (Bodianus scrofa) classificado como “vulnerável”, ambas espécies endémicas da Macaronésia.

- Há registos de algumas esponjas, pequenos corais e, outras espécies de invertebrados sésseis, como é o caso da anémona-gigante (Telmatactis cricoides), um organismo que vive fixo ao substrato, sem forma de vida livre, com um elevado polimorfismo cromático, sendo que, no caso do Parque Natural Marinho do Cabo Girão registam-se vários morfótipos (ex. castanho dourado, castanho avermelhado e o cor-de-rosa e branco).

FUNDOS DE SUBSTRATO MÓVEL

Os fundos de substrato móvel ou sedimentar apresentam uma macrofauna mais exígua, particularmente em espécies que vivem na superfície do substrato (epifauna), regista-se como exemplo a presença do cavalo marinho (Hippocampus hippocampus), conhecido por habitar em pradarias de fanerogâmicas marinhas. Este foi observado junto a plantas de Cymodocea nodosa, espécie com elevado valor de conservação, incluída nas convenções de Berna, CITES e Barcelona, e ainda na lista de Ospar.

A tabela seguinte regista a listagem completa das espécies identificadas na Primeira Caracterização do Parque Natural Marinho do Cabo Girão pelos investigadores:

Espécies

Distribuição no PNMCG

Ictiofauna
Balistes capriscus Substrato móvel
Bodianus scrofa Substrato rochosos
Canthigaster capistrata Substratos móvel e rochosos
Chromis limbata Substrato rochosos
Dentex gibbosus Substrato rochosos
Diplodus sargus Substrato rochosos
Diplodus vulgaris Substrato rochosos
Heteroconger longissimus Substrato móvel
Hippocampus hippocampus Substrato móvel
Mycteroperca fusca Substrato rochosos
Scorpaena maderensis Substrato rochosos
Serranus atricauda Substrato rochosos
Similiparma lúrida Substrato rochosos
Sparisoma cretense Substrato rochosos
Sphoeroides marmoratus Substrato móvel
Thalassoma pavo Substrato rochosos
Xyrichtys novacula Substrato móvel
Flora Marinha
Cymodocea nodosa Substrato móvel
Avrainvillea canariensis Substrato móvel
Caulerpa sp. Substrato móvel
Lithothamnion corallioides Substrato móvel
Phymatolithon calcareum Substrato móvel
Invertebrados Sésseis
Aaptos aaptos Substrato rochosos
Aplysina aerophoba Substrato rochosos
Balanus trigonus Substrato rochosos
Batzella inops Substrato rochosos
Chondrosia reniformis Substrato rochosos
Favosipora purpurea Substrato rochosos
Madracis sp. Substrato rochosos
Phorbas fictius Substrato rochosos
Reptadeonella violacea Substrato rochosos
Rynchozoon papuliferum Substrato rochosos
Schizoporella sp. Substrato rochosos
Scleractinia sp. Substrato rochosos
Telmatactis cricoides Substrato rochosos
Equinodermes
Antedon bifida Substrato rochosos
Arbacia lixula Substrato rochosos (profundidade <10m)
Astropecten aranciacus Substrato móvel
Diadema africanum Substrato rochosos
Echinaster sepositus Substrato rochosos
Crustáceos
Lysmata grabhami Substrato rochosos
Paguroidea sp. Substrato móvel
Pagurus sp. Substrato rochosos
Stenorhynchus lanceolatus Substrato rochosos
Thor amboinensis Substrato rochosos
Outros Invertebrados
Ditrupa arietina Substrato móvel
Hermodice caranculata Substrato rochosos
Myxicola infundibulum Substrato móvel
Phoronopsis californica Substrato móvel
Veretillum cynomorium Substrato móvel
(Entre os 15 e os 35 m de profundidade)

Notas de rodapé

1 Decreto Legislativo Regional n.º 4/2017/M, de 30 de janeiro.

2 Ribeiro, C. & Neves, P. (2018). Primeira Caracterização do Parque Natural Marinho do Cabo Girão. 18 pp.

3 Neves, Pedro e Ribeiro, Cláudia. (2019). Resultados do programa de monitorização dos recifes artificiais CORDECA e CORDEIRA. CIIMAR-Madeira. 69pp.

4 PSOEM. (2019). Relatório de Caracterização. Madeira. Volume IV – M.